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quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Inquietações Acadêmicas: considerações acerca da Revolução Francesa[1]

Mercolis Alexandre Ernandes[2]

ILUMINISMO E REVOLUÇÃO

“Curiosamente, toda a argumentação teórica da aristocracia para recusar as reformas e atacar o Absolutismo baseava-se no discurso iluminista, isto é, utilizava-se da linguagem liberal dos filósofos com suas noções sobre a liberdade, a representatividade do poder e o direito de propriedade. Mas não se tratava tão somente de uma apropriação, por parte da aristocracia, dos conceitos políticos do Iluminismo, e sim de uma verdadeira contracorrente de ideologia aristocrática cujo expoente mais ilustre e ao mesmo tempo mais “enrustido” foi Montesquieu. O que demonstra, por um lado, que o pensamento iluminista era tão universal que contaminou ideologicamente até mesmo a aristocracia, e, por outro, que não se tratava simplesmente de uma teoria construída ad hoc pela e para a burguesia tomar o poder.”[3]

Partindo do pressuposto da universalidade do Iluminismo, que nas palavras de Modesto Florenzano contaminou a aristocracia no contexto revolucionário francês da segunda metade do século XVIII, podemos considerar que ele atua também, como projeto político, cuja realização esteve a cargo da sociedade burguesa capitalista. Ele passa a ser além de uma crítica deísta sobre a existência, a possibilidade de liberdade para o terceiro estado.

A partir das discussões sobre razão, não submissão a ideologias, trânsito entre classes e oportunidades iguais, o Iluminismo atinge a política, nos permitindo analisar sua presença nas ações revolucionárias francesas, como produto e não causa[4]. Produto, pois até 1776 os fundamentos da nova forma de ver e explicar o universo acreditava que liberdade estava na reflexão em torno da equidade jurídica, transformando pessoas em cidadãos, e logrando a elas mesmas, a responsabilidade de conquistarem melhores condições de vida. Como por exemplo, a Constituição Norte Americana.

Isto posto, há que se considerar a existência da Monarquia Francesa, enquanto estrutura feudal, que numa crise financeira viu a única possibilidade de superação dos obstáculos, a taxação de impostos extras sobre a aristocracia e o clero que, reagiram rapidamente, além de fatores climáticos que proporcionaram a migração de boa parte da população rural para as cidades. No meio urbano, a falta de estrutura oferecia péssimas condições de trabalho, e a exploração era constante, haja vista a grande oferta de mão-de-obra. Sendo assim, os franceses, há muito explorados pelo Antigo Regime, precisavam muito mais do que igualdade jurídica, de liberdade. Nesse sentido, no mesmo momento em que a França vivia uma revolução, o Iluminismo, preconizado anteriormente, estava sendo ressignificado em território Bourbon.

Esse processo obriga-nos a concordar com Florenzano, no ponto de vista da universalidade dos conceitos iluministas. Pois, ao analisar a Aristocracia, principal agente da Revolução de 1787, observamos que ela valeu-se de propagandas acerca da liberdade da pessoa em torno de sua existência, ao mesmo tempo em que pretendia garantir sua representatividade no poder, assumindo o discurso do direito de propriedade. Isso nos mostra que essa apropriação de posturas mais “liberais” é o resultado de um projeto político frustrado, de apoio e manutenção do Absolutismo, fazendo com que novas maneiras de sobrevivência fossem assumidas, a ponto de limitar alguns conceitos, como o de liberdade, utilizando apenas as lentes do caleidoscópio iluminista, que lhes eram úteis.

A utilização desses ideais, adaptados às propostas de cada grupo político, confronta-se com a teoria de que toda classe revolucionária possui um projeto novo, transformador. Tornando a burguesia um agente muito mais reformador do que revolucionário. Reformador, na medida em que amplia, após inúmeros acontecimentos políticos, a liberdade, tornando o homem, depois de livre, “igual” em termos jurídicos, econômicos e sociais, e passível ainda de experiências fraternas.

Portanto, se há que se estabelecer alguma relação entre a Revolução e o iluminismo, temos depois de um confronto, uma dialética entre eles. De outra maneira, não conseguiríamos entender ou até mesmo explicar, de modo algum, os atos despóticos e aterrorizantes verificados ao longo do processo.

PROJETOS POLÍTICOS

Após a promulgação da Constituição de 1791, a França assumiu um regime político que limitou os poderes da coroa, tranformando-a numa Monarquia Constitucional. A Constituição, seguiu a orientação de Montesquieu que separou os poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário, e fez dos civis completos cidadãos. Porém, ser cidadão ainda não lhes garantiu pleno exercíco de todas as atividades propostas pelo novo regime, estes foram subdivididos em ativos e passivos[5], restringindo somente aos ativos, ou seja, os que detinham condiçõe econômica diferenciada e propriedades, a participação política. Apesar de ter limitado o poder do rei, este ainda podia nomear seus ministros, garantindo a representatividade da monarquia. O texto constitucional também colocou fim ao feudalismo, e nacionalizou os bens da igreja, sinalizando o advento de uma sociedade burguesa e capitalista, em detrimento de outra, feudal e aristocrática.

Esse projeto político não teve muita eficiência, tampouco conseguiu se sustentar. Muitos setores queriam continuar com a revolução até a extinção por completo da monarquia. Os nobres, assustados, procuram apoio em outros Estados Absolutistas, a fim de se reorganizarem para uma revanche armada. O acolhimento dos emigrados e a Declaração de Pillnitz[6] desencadeou um processo de enfurecimento na população por intromissão nos assuntos nacionais, culminando na execução da Família Real.

E a República, o que propunha? Durante a fase jacobina, as reformas foram da economia à cultura passando pela educação. Os direitos do homem e do cidadão foram garantidos, numa curiosa diferenciação entre os dois conceitos. As questões militares foram beneficiadas com a criação do Exército Revolucionário, do Comitê de Salvação Pública, do Comitê de Salvação Nacional e o Tribunal Revolucionário. Com uma proposta mais ampla atingindo vários setores da população, a República Jacobina atendeu às necessidades dos franceses revoltosos. Muitas vezes, a força e o terror estiveram presentes. Opositores inquietos eram severamente punidos com a morte em pró da manutenção da ordem e do regime. O uso excessivo da violência e manobras políticas erradas, como a execução de Danton, somado ao descontentamento burguês com o congelamento dos preços, fez com que o projeto político burguês fosse reativado. E, nos girondinos, estava a maior possibilidade de realização, ao menos, no que tangia aos interesses da alta burguesia em sua versão mais conservadora. Na versão girondina da República, a do Diretório, centralizou o poder no Diretório, deu mais visibilidade aos militares pelas campanhas externas, e subdividiu o legislativo entre Quinhentistas e Anciãos. A crise financeira enfrentada e a anulação das conquistas sociais jacobinas alteraram significativamente o quadro político. Os membros do Diretório enfrentavam oposições de todos os lados. A crise política se agravou, e permitiu que Napoleão Bonaparte chegasse ao poder.

De todo modo, o que precisamos enfatizar, é que muito mais do que transformação política radical, a burguesia capitalista da França do século XVIII proponha uma adequação do sistema ao seu modo. Relendo algumas das velhas estruturas, conservando aspectos primordiais e ressignificando seus conceitos a fim de convencer a todos de que seu projeto era o mais viável. Atentos às transformações do pensamento mundial, aristocratas e burgueses, habilmente souberam como manipular o pensamento político europeu setencetista.

BIBLIOGRAFIA

BLANNING, T.C.W. Aristocratas versus burgueses? A Revolução Francesa. São Paulo: Ática, 1990.

FLORENZANO, Modesto. As Revoluções Burguesas. São Paulo: Brasiliense, 1986.

MOTA, Carlos Guilherme. A Revolução Francesa de 1789-1799. São Paulo: Ática, 1990.

Sites consultados:

www.wikipedia.org.br

www.suapesquisa.com

www.culturabrasil.org



[1] Texto apresentado à disciplina de História Contemporânea I, ministrada pelo Prof. Dr.º Protásio Paulo Langer, no curso de História da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD, como forma de avaliação.

[2] Acadêmico do quarto ano da graduação em História.

[3] FLORENZANO, Modesto. As Revoluções Burguesas. São Paulo: Brasiliense, 1986.

[4] Conforme análise de T.C.W. Blanning em, BLANNING, T.C.W. Aristocratas versus burgueses? A Revolução Francesa. São Paulo: Ática, 1990.

[5] O Grupo dos passivos era composto por mulheres, trabalhadores e desempregados.

[6] Assinada em 1791, pelos países que apoiavam a França na restauração da monarquia, principalmente a Áustria.

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